Uma longa briga judicial, que trouxe certa incerteza ao mercado de avaliações imobiliárias, terminou no final do ano passado. A ação, que colocou de um lado engenheiros, arquitetos e agrônomos, e de outro, corretores de imóveis, tramitava desde 2007 na 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Essa ação ordinária, que corria em caráter de urgência, questionou a legalidade das avaliações imobiliárias emitidas por corretores de imóveis. Foi proposta por duas entidades federais que representam engenheiros: o Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (Ibape) e o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea).
O processo, que teve como réu o Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci), visava anular a resolução 957 promulgada em 2006 pela entidade, que valida as avaliações imobiliárias proferidas por corretores de imóveis e cria o Cadastro Nacional de Avaliadores Imobiliários (CNAI).
A justiça promulgou sentença favorável aos corretores de imóveis, que, a partir de agora, ganham respaldo legal para emitir suas avaliações. A sentença foi emitida pela Justiça Federal em última instância e não cabem mais apelações.
A disputa judicial expôs a concorrência entre dois importantes agentes do mercado imobiliário – engenheiros e corretores – pelo mercado de prestação de serviços de avaliações de imóveis. "Essa é uma briga natural entre profissões regulamentadas, por um nicho de mercado de trabalho. Os engenheiros reivindicaram para si o direito de exclusividade de emitir avaliações. A sentença favorável aos corretores significa o reconhecimento da expertise da nossa profissão em avaliar imóveis", diz João Teodoro da Silva, presidente do Sistema Cofeci-Creci.
O que está em jogo
As avaliações imobiliárias são fundamentais para as transações comerciais, pois atestam legalmente o valor dos bens. Os bancos usam as avaliações em diversas operações como, por exemplo, em concessões de crédito, ajuizamentos de seguros, para fins judiciais e também avaliação de patrimônios de órgãos e entidades públicas. É um mercado com números superlativos. Somente a Caixa Econômica Federal realizou cerca de 750 mil avaliações imobiliárias em 2012, abrangendo mais de um milhão de imóveis, o que representa uma média de três mil avaliações por dia útil. Além dos bancos, os tribunais também usam as avaliações imobiliárias em processos de herança, divórcio, separação de sociedade e outros. Todas essas atividades significam um vasto mercado de prestação de serviços.
O advogado Luiz Kignel, sócio da PLKC Advogados e especialista em direito de família, planejamento sucessório e imobiliário, informa que no caso de um processo, o juiz designa um perito judicial para fazer a avaliação e cada uma das partes nomeia um assistente técnico. Segundo Kignel, "os honorários do avaliador nomeado são estipulados pelo juiz. Já as partes pagam seus contratados de acordo com as tabelas de mercado".
Os honorários para o profissional que faz a avaliação de imóveis variam de acordo com as regiões nacionais. O avaliador irá receber de acordo com o valor do imóvel avaliado. O Conselho Regional dos Corretores de Imóveis de São Paulo (Cresci-SP) disponibiliza tabela fixa de honorários para as avaliações. De acordo com a tabela de valores do Cresci-SP, a avaliação de um imóvel que tem preço de R$ 35 mil renderá ao avaliador um honorário da ordem de R$ 882,63. Já um imóvel que foi avaliado de R$ 400 mil até R$ 500 mil, renderá ao avaliador R$ 4.069,69. Outra forma de calcular os honorários do avaliador de imóveis é explicada por Claudemir das Neves, diretor nacional de fiscalização do Cofeci. Segundo ele, o tempo gasto pelo corretor para avaliar o imóvel deve ser computado, atribuindo um honorário de 0,25% a 0,50% do valor da avaliação. Sobre a decisão favorável aos corretores, Neves diz: "Sempre prestamos esse tipo de serviço. Se perdêssemos o processo teríamos de parar. A sentença foi um alívio".
O litígio
A sentença proferida pelo Juiz da 1ª Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, depois confirmada pelo Tribunal Regional Federal (TRF), pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é uma sentença declaratória. Ou seja, as entidades representantes dos engenheiros pretendiam obter uma certeza jurídica sobre algo que era fonte de dúvidas. O juiz julgou improcedente o pedido do Confea e do Ibape pelo qual pretendiam declarar a nulidade da resolução no. 957/2006 (que foi substituída em 2007 pela resolução no 1.064), do Cofeci, que prevê a possibilidade de o corretor de imóveis elaborar parecer técnico de avaliação mercadológica, desde que ele possua diploma de curso superior em gestão imobiliária ou equivalente e/ou certificado de conclusão de curso de avaliação de imóveis.
A argumentação do Confea e do Ibape teve como base a Lei no 5.194/66 (que regulamenta o exercício das profissões de engenharia, arquitetura e agronomia) e a resolução no 345/90 do Confea. Ambas dizem ser exclusividade dessas categorias proferir avaliações imobiliárias. De acordo com o vice-presidente de relações institucionais do Ibape, Radegaz Nasser Júnior, "a resolução no 957 do Cofeci retira a atribuição privativa de nossa profissão de emitir avaliações e extrapola a função do corretor de imóveis". Radegaz defende que as avaliações prescindem de conhecimentos técnicos (estrutura, materiais, capacidade produtiva de uma área agrícola etc.) que influenciam de forma determinante no preço de um imóvel. Para ele, "ao corretor cabe opinar quanto ao valor de mercado, e isso é uma parte da avaliação, não sua totalidade. Uma avaliação tem de ser fundamentada matemática e estatisticamente. Só comparar preços não dá conta de avaliar um imóvel, é preciso também calcular o valor da estrutura, da fiação e de outros elementos que compõem um imóvel".
Outro ponto da argumentação dos engenheiros são as normas técnicas da série ABNT NBR 14.653, que normatiza a avaliação de bens. De acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), somente profissionais de engenharia (NBR 14.653-1) podem emitir laudos de avaliação de imóveis. O Código de Defesa do Consumidor, no inciso VIII do artigo 39, prevê a observância das normas ABNT. A Caixa, por meio de sua assessoria, informa que suas avaliações imobiliárias seguem o prescrito na Lei Federal no 5.194/66 e na NBR 14.653, ou seja, somente profissionais cadastrados no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) podem prestar esse serviço para esse banco. Portanto, as avaliações emitidas por engenheiros até a sentença, tinham respaldo legal, enquanto as feitas pelos corretores de imóveis não tinham, podendo, inclusive, ser questionadas.
Para defender a resolução nº 957, a contra- argumentação usada pelo Cofeci foi baseada no artigo 3º da lei que regulamenta a profissão de corretor de imóveis (Lei nº 6.530, de 1978), onde se lê que: "Compete ao corretor de imóveis exercer a intermediação na compra, venda, permuta e locação de imóveis, podendo, ainda, opinar quanto à comercialização imobiliária". No entender dos corretores de imóveis, "opinar" é o mesmo que proferir avaliações imobiliárias, uma vez que se trata de emitir um juízo acerca do preço de um bem. O advogado Ezequiel Frandoloso, especialista em direito imobiliário do escritório Trigueiro Fontes Advogados, explica que "a sentença foi clara ao dispor que ‘opinar’ quanto à comercialização imobiliária inclui a elaboração do parecer de avaliação mercadológica e não há necessidade de formação específica, pois tais atividades estão relacionadas com a respectiva área de atuação e de conhecimento do corretor de imóveis".
De acordo com a sentença proferida, a resolução do Cofeci não fere as normas da ABNT nem a lei que regulamenta a profissão de engenheiros, arquitetos e agrônomos. No entender do juiz, as avaliações mercadológicas, ou seja, de preços, podem sem feitas por corretores de imóveis. Isso abre aos corretores o respaldo legal de emitir avaliações e ocupar um lugar nesse mercado. Claudemir das Neves, do Cofeci, analisa: "A Caixa continua com sua equipe de avaliadores composta por engenheiros. A nossa expectativa é de que haja uma abertura gradual desse serviço para os corretores".
Diferentes avaliações
Além da disputa pelo mercado de avaliações imobiliárias, o que estava sendo julgado era a competência das profissões em avaliar imóveis. A sentença federal garante respaldo legal aos corretores na emissão de parecer técnico mercadológico. Para Radegaz Nasser Júnior, do Ibape, engenheiros, arquitetos e agrônomos, por terem exigência de curso superior para exercer a profissão, estão aptos a emitir avaliações. Já os corretores não necessitam passar por uma faculdade para exercer a profissão, tornando-os profissionais técnicos aptos a emitir pareceres. Nasser diferencia: "parecer é uma opinião baseada na pesquisa empírica, enquanto que uma avaliação é um documento com fundamentação teórica, passível de provas quando necessário". Nasser Júnior explica que, por isso, consulta corretores imobiliários para emitir avaliações.
Para o corretor emitir um parecer técnico mercadológico, ele tem de estar inscrito no Cadastro Nacional de Avaliadores Imobiliários (CNAI). Esse cadastro foi instituído pelo Cofeci em 2006 e o corretor avaliador só pode ser inscrito após concluir curso de qualificação em avaliação de imóveis. A intenção ao criar o CNAI foi homogeneizar as avaliações mercadológicas dos corretores e também "instruir os corretores a apresentar suas avaliações na forma de um parecer técnico de avaliação mercadológica, evitando assim o emprego do termo ‘laudo de avaliação’, de uso restrito aos engenheiros, segundo a norma da ABNT", explica Luiz Fernando Barcellos, vice-presidente de avaliações imobiliárias do sistema Cofeci-Creci. Com isso, existem dois tipos de documentos: o laudo de avaliação e o parecer técnico de avaliação mercadológica. O laudo de avaliação é emitido por engenheiros, arquitetos e agrônomos e apresenta, entre outros pontos, as características estruturais do imóvel. Já o parecer técnico de avaliação mercadológica é emitido por corretores e diz respeito ao valor de mercado do bem avaliado.
Acordo de cavalheiros
Há entre engenheiros e corretores certa concordância de que cada profissão atua numa diferente área das avaliações, contribuindo, cada qual, com um saber. Aos engenheiros compete, principalmente, determinar o valor da construção, usando em seu cálculo os conhecimentos de diferentes materiais e formas construtivas usadas na edificação. Aos corretores seria adequado externar o preço do imóvel de acordo com seu conhecimento de mercado. Nas palavras de Barcellos, "ao corretor de imóveis compete elaborar avaliações de valor de mercado. Quando outros aspectos que devem ser considerados, os quais escapam ao conhecimento adquirido pelo corretor em sua formação, as avaliações precisam da participação de engenheiros civis, florestais, agrônomos etc."
Sobre essas duas formas de avaliar imóveis, o advogado Frandoloso é enfático: "Não existem ‘tipos de avaliações’, o que existe são métodos por meio dos quais o avaliador estima o valor de determinado bem e tal estimativa é a chamada avaliação imobiliária". Ele aponta que os métodos de avaliação mais usados estão contidos na ABNT NBR 14.653-1 e no site do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (IBAPE). No caso de uma perícia técnica para processo judicial, Frandoloso informa que se aplica o disposto no artigo 145 do Código de Processo Civil (CPC), que diz ser necessário o diploma universitário para o avaliador. O mais comum, portanto, é a nomeação de engenheiros para o cargo de perito judicial, "partindo da premissa de que tais profissionais possuem conhecimento técnico e sensibilidade para elaboração de avaliações deste jaz", diz o advogado.
Mas a atuação dos corretores imobiliários em perícias judiciais não é descartada, desde que guardada as respectivas características de cada profissão. "Somos da opinião de que o campo de atuação dos corretores está claramente delimitado, podendo os referidos profissionais elaborar parecer técnico exclusivamente para externar o preço de mercado do imóvel", diz Frandoloso.
* O Confea foi procurado pela Construção Mercado na mesma data em que as fontes dessa reportagem, mas não se manifestou até o fechamento desta edição.
AVALIAÇÃO DE BENS E CUSTO
Conheça, a seguir, os métodos de avaliação de bens segundo a ABNT NBR 14.653-1 – Avaliação de bens
Métodos para identificar o valor de um bem:
- Comparativo direto de dados de mercado – Usa os atributos comparáveis de uma determinada amostra.
- Involutivo – Utiliza estudo de viabilidade técnico-econômica, considerando-se cenários variáveis e mediante empreendimento hipotético.
- Evolutivo – Método que utiliza a somatória dos valores dos componentes.
- Capitalização de renda – É realizada por meio de capitalização da renda líquida prevista, considerando-se cenários viáveis.
Métodos para identificar o custo de um bem:
- Comparativo direto de custo – Compara determinados dados de uma amostra.
- Quantificação de custo – É feita por meio de orçamentos sintéticos ou analíticos, a partir das quantidades de serviços e respectivos custos diretos e indiretos.
Fonte: Por Luis Ricardo Bérgamo